27.7.07

Release



O projeto a r d e! c I d a d e

O projeto a r d e! ò c I d a d e

O projeto a r d e ò c i d a d e

O projeto a r d e c I d a d e

O projeto a r d e c i d a d e recomenda um apercebimento entre as folhas [de flandres] das calçadas desapercebidas das fraldas amarelas do poente e o branco do meio-fio

Da manhã

:

Sabão em

Porra escorrendo

Cabeça

fria

a Cidade parece ser sempre a mesma mas ela canta em cada esquina palavras grisalhas

Enquanto as coisas voadoras caem e os sonhos chã avoam

Meu mundo espelha as dores

Meu medo festeja amores

baralhos em vinteum : xotas!

Mundo sem resvalo

Boca à toa

é

Mente



12.6.07

o crisol da crise[1]

Rodrigo Balan Uriartt

Alguém ainda precisa
ter Caos em si mesmo
para dar à luz a uma
estrela dançante! – Nietzsche

Penso que foi Benjamin a nos recordar que toda geração humanapor certo que é em sua própria época que tudo está mudando, tudo em crise e em transformação... contudo ele nos alerta que essa sensação é uma síndrome comum e observável em qualquer ponto da história. Um certo sentimento apocalíptico, pós-tudo no limiar do novo, permeia as mais diversas manifestações culturais da atualidade... mas como separar o dadivoso da barbárie?[2]

Lançando um breve olhar em busca do fulcro dos ensaios e textos que tratam sobre arte, educação, política e tudo mais, percebesse, entre outras coisas, certa tônica temática em questões referentes (ou próximas) ao estado de krísis. Estado multiforme e multisigníco, a crise é uma manifestação que, por mais que costumemos adensar como atual, acompanha a dança das consciências humanas desde os criativos primórdios das comunidades xamânicas; ou seja, nossa sociedade global-pós-modernizada-espetacular não deve vangloriar-se desse paroxismo da mudança crítica.

Ao mesmo tempo, será talvez mais claro na história futura que esse nosso zeitgeist[3] sofreu de forma exemplar com uma aceleração que tem se intensificado, talvez algo diferente do que as transformações decorrentes da ampliação do mundo com a circunavegação, o desenvolvimento dos direitos político-sociais no séc. 17-18, as crescentes conquistas da ciência e da técnica a partir do séc. 19 e a revolução da informatização dos meios iniciada nos vinte e do qual ainda estamos recebendo as primeiras ondas. O homo colectivus tem tido que administrar necessariamente essas mutações para o sucesso de sua espécie! Algo sinteticamente demonstrado na representação kanji chinesa para a palavra crise: dois ideogramas simbolizando, um o perigo, o outro a oportunidade.

É crise do sujeito, crise do objeto, dos valores, do coletivo e do Estado, do significado e do significante, do sujeito-fazedor e do fazedor-espectador, do religare e do histórico. Pois, porque tanta crise? É isso uma fixação pós-moderna contemporânea (puah!), monomania, escapismo compensatório ou o sinal crisálida de um novo ponto de mutação?

Esoterismos à parte, ou como pressentia os encanecidos fios do bigode de Nietszche, se Deus está morto, quem manda é a representação especular da sociedade das aparências! Por isso talvez tenhamos que nos valer de um saudável ceticismo para que possamos atravessar o problema e mirar eficientemente naquilo que seja fulcral do outro que é apenas neurose coletiva...

Blablabla. Blá!

Hibridismo, miscigenações, “nãoquestões. Não existe esse negócio de sexismo, fascismo, especismo, visualismo, ou nenhum outra "franquia de questão" que possa ser separada do complexo social e tratada com um "discurso" como um "problema". Há apenas a totalidade que agrupa todas estas "questões" ilusórias na completa falsidade de seu discurso, tornando todas as opiniões, prós e contras, apenas mercadorias-pensamento para serem compradas e vendidas. E esta totalidade é ela própria uma ilusão, um pesadelo maligno do qual estamos tentando (através da arte, do humor, ou de qualquer outro meio) despertar.” (isso é parte do maravilhoso manifesto sobre arte do neo-anárquico Hakim Bey).[4]

Ou então

…faça de conta que reinventou o chão batido onde esse patinete cansou de percorrer, mas que todos nós, pela mesma mediocridade inconscientemente compartilhada, iremos por fim aplaudir. Mas que isso fique totalmente estampado na aparência exterior daquilo que você mostra a mass-midia intelectual que lhe cerca. Faça um roteiro, use de forma criativa esses lugares comuns da era pós-industrial. Misture intervenção urbana com poéticas das passagens, com espaços miscigenados e identidades mnemônicas. Tempere isso com a fina flor do godoísmo do momento e com toda certeza estarás apto a mais um degrau no catolicismo cartesiano acadêmico e, conseqüentemente, não alcançarás o feito derrisório.[5]

Dentro do olho do furacão reina a mais absoluta calma. O que convulsiona nesse cadinho das eras, criando novos mitos, impulsionando renováveis poéticas? Afinal, existe um olho nesse furacão?!

Notas:



[1] Título de objeto/instalação do autor, a se realizar na Exposição/Projeto Ardecidade, em 9 de agosto de 2007, na Galeria do DMAE, Porto Alegre.

Crisol - [Do esp. crisol.] - Substantivo masculino.

1.Cadinho. 2.Fig. Aquilo em que se apuram os sentimentos. 3.Fig. Aquilo que serve para evidenciar as boas qualidades do indivíduo. 4.Tip. Recipiente das máquinas fundidoras e compositoras, onde se derrete o metal-tipo; caldeira. [Pl.: crisóis. Cf. cresol e pl. cresóis.] - Novo Dicionário Eletrônico Aurélio - versão 5.0

[2]Nunca houve um monumento da cultura que não fosse também um monumento da barbárie. E, assim como a cultura não é isenta de barbárie, não o é, tampouco, o processo de transmissão da cultura. Por isso, na medida do possível, o materialista histórico se desvia dela. Considera sua tarefa escovar a história a contrapelo.” Walter Benjamin, Sobre o conceito da história.

[3] Zeitgeist: termo alemão, que se traduz como espírito do tempo. O Zeitgeist significa, em suma, o nível de avanço intelectual e cultural do mundo, em uma época. Os românticos introduziram a palavra Zeitgeist como uma tradução de genius seculi (Latim: genius - "espírito guardião" e saeculi - "do século". Fonte: Wikipedia.

[4] Bey, Hakim. Vernissage. In: Immediatism - A Ontological Anarchy - IN: http://www.rizoma.net/interna.php?id=231&secao=artefato

[5] Uriartt, Rodrigo. Como tornar-se um bacharel nas estratégias do contrário. Panfleto distribuído no saguão do Instituto de Artes e disponível no endereço eletrônico http://ruriak.blogspot.com/ - dezembro 2006.

Obs: A ilustração no cabeçalho é o ideograma para a palavra crise, em kanji, formado por Perigo e Oportunidade.

9.4.07

lab. de criação de textos I


na terceira margem do medo


Intento encontrar um ponto magnético, atrator estranho, na miríade de coisas que crio/produzo/reciclo. Algo que comova o fundo de tudo isso, como sentido e a própria negação dele. Mas o movimento a esse princípio totalizante chama atenção por sua falácia e incertitude: será que naquilo de mutável percebesse a clareza de um processo?

Por certo que temos temas. Percorremos nossos prazeres e horrores, com diária eficiência, para afinal edulcorar a fera e a bela. O tema é a primeira parede do medo. Essas estórias como martelinhos imperceptíveis palpitando cada passo que damos. Ora, o tema é cansativo! Sustentar o correr imperioso do mundo em nossas costas é para os muito fortes ou para os muito loucos! Foi o que veio à idéia ao ler o conto de Guimarães Rosa… O tema da renúncia. O tema da potência. A terceira-margem não é o outro, o eu ou o além-mundo. Talvez um encontro neo-xamânico entre o frio da bola oca e a jia da racionalidade heraclitiana. Talvez a pura performance de uma ação de encontro à não-ação.

Nunca é o mesmo rio em que nos banhamos. Essa frase sempre me soou cruelDesejos de continuidade, despejos de entropia. Porque esperamos? Porque cremos?

O relativismo é a marca dos tempos. A ética baila ao sabor dos mercados santificados. Produtivo no ócio: opiado pelas besteiras. Os heróis são os solitários coletivizados(?) - Então, em desespero, desejamos algo sólido! Esse algo sólido foi e continua sendo o medo. Temas e temores. Kafka rompeu a bola-oca; Rosa falou com a jia; Lautréamont riu à beça e inaugurou o futuro do presente:


Elohim é feito à imagem do homem.

Várias coisas certas são contraditas. Várias coisas falsas são incontraditas. A incontradição é a marca da falsidade. A contradição é a marca da certeza.

Uma filosofia para as ciências existe. Não existe uma para a poesia. Não conheço moralista que seja poeta de primeira ordem. É estranho, dirá alguém.

É uma coisa horrível sentir escorrer aquilo que se possui. nos apegamos pela idéia de procurar se nãoalgo permanente.1


alguns cacos de uma página dos Poesias II, fino livreto, publication permanente de Ducasse/Lautréamont, que não tem nenhuma “poesiacomo costumamos pensar nela. Máximas e pensamentos de filósofos e moralistas, tais como Pascal e Vauvenargues, travestidos e sampleados na lógica quântica de quem foi além das correntes dos rios e velhos oceanos. Não importa muito o sentido: o que está em jogo é a dança da Lógos, como bem queria Ezra Pound. Logopéia2 de um simulador de processos auto-ironizantes. Ou, citando o tradutor brasileiro da obra completa de Lautréamont, Claudio Willer: nas afirmações pseudo-moralistas, e nos elogios a personagens literariamente inexpressivos ou ridículos, a imitação da imitação, simulação do simulacro, corresponderia à restauração da originalidade… e …resultando em um antilivro, a destruição da literariedade.3

Mas fugimos do tema… O medo e a redenção. Parafuso torcido reunindo meus sentidos. A poesia não é o amor. O amor não é a filosofia. A filosofia não é a lógica. O eu não é o outro! Se existo, não sou um outro.4 Ai, meu Rimbaud!

Delícias da negação. Isso é uma pequenina parte dos Poésies. Os Cantos, por sua vez, tem o poder afirmativo da mordida de seis mil tubarões-tigre. Mas não devemos tratar do tema em mente nessa que é considerada por muitos a obra máxima do outro Amón. Por pura falta de retórica e conformação ao zeitgeist laudatório. Basta notar que tema mente medo são as mesmas coisas. Basta que possamos conversar, ligados, nesse e nos encontros próximos. Perene compartilhamento. O lobo é um animal gregário e fiel ao seu par. Mais do que o homem do lobo: o que permanece selvagem, o que permanece instinto de matilha?

É nessa raiva infantil que talvez resida um motor meu… A coragem de um menino que se aventura pelas artes em desaclamo à história. A covardia de um jovelho que permuta a crítica pelo medo. O temor que invoca a luta. A luta que promove a coragem, que age no coração, da ação do negativo no positivo e vice-versa.

Isso fica visível em muitos poemas, fotografias e vídeos de minha produção mais regular. Exemplificando textualmente, o poema:


Galatéia


esteios do mundo vício
meu
medo em pedra-pomes
surra de tempos alheios
: ali ferver fundo fel

quis dizer boca a boca
: és espelho sem brilho
polido
de luz e rudeza!
grande dor no oco peito

chaga fria que abençoa:
ser vago é melhor que
partir o amor a esmo
: vês apenas o reflexo!

receio de dar no muro:
grato ao seio que mamo
: dizes o
que sei :
o medo
é porto-seguro 5

_____________________


Ou se percebe o encanto da cor encáustica. Paralelos com a lava da terra sem a limitação da superfície fria. Mas isso também outro papo/lado. Lautréamont me fez ver o medo menino mendigo do homem com os olhos de um romantismo sem igual. Algo como Beuys e todos somos artistas. Uma redenção pela catarse inaugural do além-do-moderno, pelo que transcorre ao lado, à margem, dentro e fora do mundo imágo real. O mundo que sussurra, com seu fino e brilhante bico de águia, dádivas de imagens em textos (e textos em imagens) que nem o surrealismo, com suas mãos sujas de falso onirismo, conseguiu surrupiar.

Ópio de povo besta... Conseguimos mesmo assim vencer a corrente dos contentes e manter nossa canoa solenemente parada e em movimento no rio poluído das informações infinitas. Em canoa calada não se olham os dentes.


Rodrigo Uriartt









1 Lautréamont. Poesias II. In: Obras completas – Os Cantos de Maldoror – PoesiasCartas. Iluminuras: São Paulo, 2a. ed. rev. e ampl. , 2005.
2 Pound, Ezra. ABC da Literatura. Cultrix: São Paulo, 1990.
3 Willer, Claudio. Prefácio op. cit. Págs. 49 e 50.
4 Lautréamont. Op. cit.
5 Uriartt, Rodrigo Balan. Digno Óciopoesias. Ed. do Autor: Porto Alegre, 2005.