12.6.07

o crisol da crise[1]

Rodrigo Balan Uriartt

Alguém ainda precisa
ter Caos em si mesmo
para dar à luz a uma
estrela dançante! – Nietzsche

Penso que foi Benjamin a nos recordar que toda geração humanapor certo que é em sua própria época que tudo está mudando, tudo em crise e em transformação... contudo ele nos alerta que essa sensação é uma síndrome comum e observável em qualquer ponto da história. Um certo sentimento apocalíptico, pós-tudo no limiar do novo, permeia as mais diversas manifestações culturais da atualidade... mas como separar o dadivoso da barbárie?[2]

Lançando um breve olhar em busca do fulcro dos ensaios e textos que tratam sobre arte, educação, política e tudo mais, percebesse, entre outras coisas, certa tônica temática em questões referentes (ou próximas) ao estado de krísis. Estado multiforme e multisigníco, a crise é uma manifestação que, por mais que costumemos adensar como atual, acompanha a dança das consciências humanas desde os criativos primórdios das comunidades xamânicas; ou seja, nossa sociedade global-pós-modernizada-espetacular não deve vangloriar-se desse paroxismo da mudança crítica.

Ao mesmo tempo, será talvez mais claro na história futura que esse nosso zeitgeist[3] sofreu de forma exemplar com uma aceleração que tem se intensificado, talvez algo diferente do que as transformações decorrentes da ampliação do mundo com a circunavegação, o desenvolvimento dos direitos político-sociais no séc. 17-18, as crescentes conquistas da ciência e da técnica a partir do séc. 19 e a revolução da informatização dos meios iniciada nos vinte e do qual ainda estamos recebendo as primeiras ondas. O homo colectivus tem tido que administrar necessariamente essas mutações para o sucesso de sua espécie! Algo sinteticamente demonstrado na representação kanji chinesa para a palavra crise: dois ideogramas simbolizando, um o perigo, o outro a oportunidade.

É crise do sujeito, crise do objeto, dos valores, do coletivo e do Estado, do significado e do significante, do sujeito-fazedor e do fazedor-espectador, do religare e do histórico. Pois, porque tanta crise? É isso uma fixação pós-moderna contemporânea (puah!), monomania, escapismo compensatório ou o sinal crisálida de um novo ponto de mutação?

Esoterismos à parte, ou como pressentia os encanecidos fios do bigode de Nietszche, se Deus está morto, quem manda é a representação especular da sociedade das aparências! Por isso talvez tenhamos que nos valer de um saudável ceticismo para que possamos atravessar o problema e mirar eficientemente naquilo que seja fulcral do outro que é apenas neurose coletiva...

Blablabla. Blá!

Hibridismo, miscigenações, “nãoquestões. Não existe esse negócio de sexismo, fascismo, especismo, visualismo, ou nenhum outra "franquia de questão" que possa ser separada do complexo social e tratada com um "discurso" como um "problema". Há apenas a totalidade que agrupa todas estas "questões" ilusórias na completa falsidade de seu discurso, tornando todas as opiniões, prós e contras, apenas mercadorias-pensamento para serem compradas e vendidas. E esta totalidade é ela própria uma ilusão, um pesadelo maligno do qual estamos tentando (através da arte, do humor, ou de qualquer outro meio) despertar.” (isso é parte do maravilhoso manifesto sobre arte do neo-anárquico Hakim Bey).[4]

Ou então

…faça de conta que reinventou o chão batido onde esse patinete cansou de percorrer, mas que todos nós, pela mesma mediocridade inconscientemente compartilhada, iremos por fim aplaudir. Mas que isso fique totalmente estampado na aparência exterior daquilo que você mostra a mass-midia intelectual que lhe cerca. Faça um roteiro, use de forma criativa esses lugares comuns da era pós-industrial. Misture intervenção urbana com poéticas das passagens, com espaços miscigenados e identidades mnemônicas. Tempere isso com a fina flor do godoísmo do momento e com toda certeza estarás apto a mais um degrau no catolicismo cartesiano acadêmico e, conseqüentemente, não alcançarás o feito derrisório.[5]

Dentro do olho do furacão reina a mais absoluta calma. O que convulsiona nesse cadinho das eras, criando novos mitos, impulsionando renováveis poéticas? Afinal, existe um olho nesse furacão?!

Notas:



[1] Título de objeto/instalação do autor, a se realizar na Exposição/Projeto Ardecidade, em 9 de agosto de 2007, na Galeria do DMAE, Porto Alegre.

Crisol - [Do esp. crisol.] - Substantivo masculino.

1.Cadinho. 2.Fig. Aquilo em que se apuram os sentimentos. 3.Fig. Aquilo que serve para evidenciar as boas qualidades do indivíduo. 4.Tip. Recipiente das máquinas fundidoras e compositoras, onde se derrete o metal-tipo; caldeira. [Pl.: crisóis. Cf. cresol e pl. cresóis.] - Novo Dicionário Eletrônico Aurélio - versão 5.0

[2]Nunca houve um monumento da cultura que não fosse também um monumento da barbárie. E, assim como a cultura não é isenta de barbárie, não o é, tampouco, o processo de transmissão da cultura. Por isso, na medida do possível, o materialista histórico se desvia dela. Considera sua tarefa escovar a história a contrapelo.” Walter Benjamin, Sobre o conceito da história.

[3] Zeitgeist: termo alemão, que se traduz como espírito do tempo. O Zeitgeist significa, em suma, o nível de avanço intelectual e cultural do mundo, em uma época. Os românticos introduziram a palavra Zeitgeist como uma tradução de genius seculi (Latim: genius - "espírito guardião" e saeculi - "do século". Fonte: Wikipedia.

[4] Bey, Hakim. Vernissage. In: Immediatism - A Ontological Anarchy - IN: http://www.rizoma.net/interna.php?id=231&secao=artefato

[5] Uriartt, Rodrigo. Como tornar-se um bacharel nas estratégias do contrário. Panfleto distribuído no saguão do Instituto de Artes e disponível no endereço eletrônico http://ruriak.blogspot.com/ - dezembro 2006.

Obs: A ilustração no cabeçalho é o ideograma para a palavra crise, em kanji, formado por Perigo e Oportunidade.