15.12.06

COMO TER A SUA BANCA CANCELADA

COMO TER A BANCA CANCELADA

(ou de como tornar-se um bacharel nas estratégias do contrário)


Ils appellent les motifs de leurs actions: la gloire.

En voyant ces spectacles, j’ai voulu rire comme les autres;

mais, cela, étrange imitation, était impossible. Comte de L., 1868


vocabulário crítico em 12 lições


Diante do ossário decrépito que se sedimenta sobre a distribuição de valores nessa instituição, já quase centenária, venho trazer manifesto essas doze (um tanto autobiográficas) sugestões para conseguir a proeza de se ver excluído do processo corrente de conclusão de curso. [Por favor, não se importem com os nomes, que estarão ausentes desse relato por questões meramente literárias… Para maiores esclarecimentos sobre o pano de fundo comezinho dos fatos que impulsionaram esse texto, favor consultar o relato disponível na postagem logo abaixo desta]. Essas considerações devem necessariamente passar por métodos de divulgação e debate para que sejam analisadas e então descartadas ou promulgadas como regras inamovíveis.

1) Não dê uma pataca de Patinhas para nada e ninguém. Acredite no seu trabalho antes de tudo e de todos. Por mais que você admire o professor, orientador, amigo, galera descolada, namorada, família, ou o caralho a quatro; leve algo do seu trabalho que seja e apenas egoísticamente você! Mesmo que equivocado, cafona, fora de tempo, não contemporâneo ou qualquer bobagem semântica que venham a lhe professar, sempre será uma coisa a se conferir no filtro dos desejos/valores próprios: então não se iluda, você deve estar fazendo isso porque quer e não porque acha bacana receber um diploma de artista!?! Esse primeiro ponto é o que me ficou oculto, mas é também o que se faz valer sobre todos os outros. [Mas tome muito cuidado com o péssimo hábito do sentimento de especialidade que assola a classe autística. Isto encheu-me de muito nojo…]

2) Escolha o orientador errado. Esse foi meu erro e minha salvação. Deixar para escolher/chamar o orientador na última hora, quando todos os caras que você acha legais já foram pegos à tempos pelos seus colegas, é o primeiro passo prático, e com certeza decisivo, para a realização da façanha. O orientador errado terá que demonstrar entender tudo (uma pequena parte já seria o bastante) que você pretende, quando na realidade não entende picas, isso porque ele já perdeu o bonde do tempo, e você, por ter escolhido a pessoa capaz disso, é o verdadeiro responsável por isso. Então ele deve comentar absolutas bobagens sobre o seu trabalho, tipo tentar mudar o título quando ele é ainda o que menos importa, quando você precisa mesmo de alguém que crie dúvidas conceituais e/ou práticas, que tenha ao menos lido (textualmente ou não) o mínimo do que você leu, e que instigaram as suas divagações; e ainda assim achar que não vai dar em nada… Você deve acreditar que no fim ele irá entender a proposta básica e o desenvolvimento do seu processo e tudo irá se acertar. Esse orientador deve ser completamente incapaz de rir da sua cara logo no início do projeto e você de acrescer comentários enganosos como se fossem verdade. Aí o fundo do desprezo vai crescer e os seres não se entenderão, porque o ato comunicativo astral/intelectual/sensual/intuitivo, canal último do transporte xamânico-artístico, não terá como se realizar. Ou você irá se desenvolver com esse embate ou será amassado pela mediocridade.

3) Ignore a burocracia. Talvez tentem lhe falar para não dar importância à essas coisas, mas não acredite: no fim das contas esse é o único instrumento palpável que eles podem usar contra você. A nota, a entrega do texto final no prazo estabelecido pelas normas, qualquer detalhe exigido pela práxis da academia pode ser lançado como elemento desabonatório, (o pior é que todos concordam com isso, seus colegas e você, que assinou esse contrato sem ler) quando você menos esperar. Não se esqueça, nesse caso você não está fazendo arte, está sendo avaliado por uma banca de doutores em funcionalismo público! (bem, isso já é o procedimento 4).

5) Não faça uma capa bonita. Devo confessar que aos professores de verdade isso não tem a mínima importância (como poderíamos dizer o mesmo de todo o resto acima e talvez abaixo), mas uma capa incrementada (o calibre da lombada já seria outra questão separada [6]?!?) sempre chama atenção no mundo do design! É por isso que proponho, com minha experiência adquirida trabalhando à quatro anos no austero mundo do PPG em Epidemiologia da Faculdade de Medicina desta Universidade, que de agora em diante nossas capas sejam como as deles: simples e sintéticos fundos cinzas que não nos distrairão para o real conteúdo à partir da página 7. (desculpe, eu sei que vou ser malhado por nós artistas, que adoramos fazer de nossa apresentação um trabalho a parte, mas isso deveria ser encarado como uma contestação e não como uma deliciosa maquiagem.) Wittgenstein apresentou seu Tractatus Logico-Philosophicus em papéis reciclados de sentido, em parcas 33 páginas sem nenhuma referência explícita (outra questão [7], o que não é bem o meu caso, que adoro citar ao contrário os monstros do meu conhecimento). Lautreámont pagou tudo às suas expensas e nunca foi distribuído. Benjamin foi rejeitado pela cátedra por poetizar a história, e assim vai…

8) Escolha como um membro da banca um professor substituto e que ainda é um artista. [Essa não quero comentar que me dá raiva só de pensar nisso.]

9) Dê importância para a nota. Nunca se esqueça: a nota é uma chantagem consentida. Entre a ignorância dos pares e a falta de clarividência dos fatos essenciais prefira o papel do bobo que finge não entender a ironia canhestra de uma troca espúria. Essa coragem você deve evitar a todo custo se deseja ver o evento surreal realizado!

10) Ufa! Já não sei mais o que dizer… talvez isso… Não queira demonstrar que inovou em algo, que teve uma grande sacada, ou que criou, aparentemente, algo fora do comum. Afinal todo mundo espera que nós artistas sejamos altamente criativos e que inventemos a roda à cada semestre. [desculpem-me a ironia canina, mas não pude deixar de rir de mim mesmo…] Então se você quer passar pelo processo classificatório sem maiores percalços, faça de conta que reinventou o chão batido onde esse patinete já cansou de percorrer, mas que todos nós, pela mesma mediocridade inconscientemente compartilhada, iremos por fim aplaudir. Mas que isso fique totalmente estampado na aparência exterior daquilo que você mostra a massmidia intelectual que lhe cerca. Faça um roteiro, use de forma criativa esses lugares comuns da era pós-industrial. Misture intervenção urbana com poéticas das passagens, com espaços miscigenados e identidades mnemônicas. Tempere isso com a fina flor do godoismo do momento e com toda certeza estarás apto a mais um degrau no catolicismo cartesiano e, consequentemente, não alcançarás o feito derrisório.

11) Despeje suas ilusões frustadas na instituição. [isso já está ficando um saco!] Isso não tem desculpa: é uma bobagem mesmo! Então faça um texto metido a besta e o coloque pelos corredores rachados para que abusadas mãos os tomem.

12) Despreze o desprezo e tente ser feliz.

Aiô Silver! Quem chegou até aqui deve ter sentido o tom desarrazoado, acrimônico e rancoroso - está certo! - mas saiba que isso não foi nada fácil para mim… Como disse no início, isso não passa de literatura ruim que deseja sensibilizar alguns pobres corações que tenham suas cadeias protéicas infectadas com ultra-romantismo peçonhento. Que meu orixá Omulú venha varrer esses ossos e essa poeira dos meus olhos e fazer renascer das cinzas aquilo que de arte me foi arrancado.

Atôtô, Obulaiyê!

Rodrigo Balan Uriartt

Porto Alegre, dezembro quase férias de 2006

COVARDIA CONTAGIA - MEDIOCRIDADE MATA

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